Terça
Tilt. São nove horas, e eu acabei de chegar. Hora de pedir uma Heineken – a
breja mais cara da balada, e também a mais gostosa. Esse é um dos motivos por
que venho sozinho à Tilt – tomo, solo,
minha Heineken de 600. Ninguém mais. É a medida ideal da cerveja. E como tá
gelada, rapaz! A verdinha vem um tanto branca, e quando a coloco na camisinha,
a felicidade me sobe.
Pensa
só: é terça-feira, terça sim! Hoje é o dia que o Sato toca, que danço sozinho,
olho pras meninas, e elas olham pra mim. Eu fecho os olhos, e inspiro-me. Vivo
a Terça Tilt pelas próximas duas semanas. Amanhã ainda a sentirei dentro de mim
– meu corpo não será o mesmo de hoje. Tudo válido. A Terça Tilt compensa. Olha
só, fui olhar a garrafa e ela está exatamente onde pensei: na metade.
Ainda
não sinto aquilo tudo que posso, mas sei que está prestes. Nem essa garrafa vai
terminar, e meu corpo já estará leve, e minha cabeça no céu. Meu coração, este
tem de esperar mais um pouquinho. Mas é só um pouquinho, até a discotecagem
começar – um pontapé nas portas da afetação. Galera espalhada, e ao som do
amor, flores desabrocham pelo jardim da terça londrinense. Ai de quem perde.
Na
casinha, o barulho só que cresce. Quer saber? Não vou nem olhar mais pro lado
que é pra não ter de cumprimentar ninguém. Rapaz, o Ivanzinho, meu brother que
trampa de garçom aqui, me deu mais uma pilha de papel. Agora eu vou embora... e
sabe aonde queria chegar? Sabe?
Um
cara que sai de terça-feira, bebe sozinho, fica pensando no quê? Que não
consegue ficar em casa e abandonou de vez os programas cinéfilos de sua vida?
Essa vontade de amor pega mais embaixo...
É o
que todos nós temos. Mesmo o mais bem resolvido da autoconfiança e do desapego
quer um amor pra sua vida, desses de contos de fadas, mesmo que não seja.
Rapaz, a sensação de olhar praquela pessoa e entrar em outra – dimensão, mundo,
atmosfera -, é demais da conta.
Vejo
que já estou mais solto na escrita. Só quero ver como será na edição. Hemingway
diria: “escreva bêbado, edite sóbrio”. Percebo, meu estado já mudou. Heineken é
foda, cara. Uma e você já cambaleia legal. Na Tilt isso é um perigo.
-
Será que é hora de dar uma olhada? – penso. Sei lá, daqui a pouco largo isso
aqui e corro dar um giro no bar. E olha, rapaz, a menina que tá ali no balcão é
bonita, irmão. Bastante, ainda. Não tava dando pra ver, tava escuro. Bom é que
ela deve tá achando que eu sou um escritor, um cara foda, que...
Péra!
Sentou uma do meu lado. E outra do lado dela. Será que não podiam sentar pra
lá? Será que eu escrever chamou sua atenção? Acho que sim. Sabe quando sente a
energia da pessoa? Mesmo ela de costas pra mim, como está agora. Mais um
golinho, peraí.
E a
menina que pediu a bebida não saiu dali. Meu Deus, quanta mulher me cercando!
Ao menos é o que quero pensar, já que tô aqui vidrado nesse papel. E tá ficando
cada vez mais difícil, devo dizer. Não sei o que tá rolando em volta. Só ouço a
gritaria. O barulho é sempre grande na Tilt.
Nossa!
Cara! Como mudou a casinha! Agora já tá cheia. Todas as mesas estão ocupadas.
Lá dentro deve tá abrindo. Olôco! Um grupo de meninas aqui do lado foi pra
pinga! Cara, não vai dar. Depois eu continuo isso aqui, agora tá foda.
(Deu
nem pra se despedir).
Hoje
é terça de novo, dia 18. Exatos 14 dias depois. Já sabe, né? Terça sim, mermão!
Hoje tem Terça Tilt! Quinze dias depois, é hora de voltar à pista da afetação.
Já marquei com bons amigos, e às nove tomamos o rumo – o carro já vai sozinho.
Ah!, cada Tilt é uma nova história. Que festa! Hoje não estou tão empolgado. As
meninas dos meus olhos não estarão lá – noventa por cento certo. Putz, isso
diminui em um monte a graça do troço.
Ah,
semana passada me dei bem com a mina do balcão! Mas olha como são as coisas, o
romance durou dias e já se perdeu pelo não-completo do sentimento idealista. Ou
simplesmente porque não bateu, mesmo. Mais comum do que não, né? Tudo certo.
Hoje é vida nova.
Não
consigo mesmo fugir das meninas que habitam meus pensamentos enquanto escrevo
essa crônica cara-de-pau! Puta, elas podiam estar lá hoje, né? Uma, pelo menos.
Elas é que são a graça de tudo, e pra ter uma que compita com essas, meu caro, vou
te falar... tem que estremecer o peão aqui. Mas na Tilt, brow, tudo é possível.
Só
te peço um negócio, então: torce por mim. Torce pra eu esbarrar uma menina
linda, e depois fazer seus olhos fixarem em mim. Vou perguntar se quer tomar um
copo da breja que eu peguei. Ela vai aceitar, pois não tem frescura, nem vai
achar que tá me dando muito mole por isso. Aí, mais pro fim da noite, umas duas
e tanto – o papo foi bom demais e a gente alongou a estada no Valeco -, nosso
beijo doce valerá todo meu esforço e atenção. É desse jeito sim, irmão. Você se
esforça, busca; atrapalha-se nas próprias qualidades, mas segue. Os defeitos, encubro.
Claro, pô! O jogo do amor é o único onde vale golpe baixo, brow.
Amanhã,
na quarta pós-tilt, queira me ver cantando. Por dentro, digo, com tudo que rolou
na noite anterior. Porque aí, rapaz, meus dias serão muito mais felizes, e o sentido
que tanto procuro virá de lancha do horizonte pra cá. No mar do Valentino, às
terças à noite e quinzenalmente, iço bravamente as velas do meu destino. O
vento sopra a favor – o som, os astros, a terça, e muita, muita beleza e vida que
compõem o habitat dos afogados no amor.
Dear Valeco: quando eu não
estiver mais nessa, lembra de mim! Dos tantos motivos que me fizeram voltar às
tuas dependências! Recorda-te do meu amor, dessa fidelidade infindável, um
devotamento ímpar, você sabe. Lembra o quanto o levei em minha estima. Estou em
tua história! Sonho meu não é ficar aí pra sempre, por isso vivo tanto você.
Não sei até quando. Mas hoje, posso dizer: é terça sim, e enquanto uma das tuas
flores não me fizer mudar de ideia, deixa o teu balcão reservado pra mim, por
favor.
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