O Molha a Palavra é um espaço criado por alguns amigos desocupados, no intuito de discutir as coisas da vida. Você está mais que convidado(a) a participar de todo esse papo de botequim. É só puxar uma cadeira, apresentar-se e passar a molhar palavras com a moçada! Seja bem-vindo(a)!
A
OSUEL, sustentabilidade e o empreendedorismo público
por Guilherme Faraco.
A
demanda por ingressos foi tão grande que a OSUEL (Orquestra Sinfônica da
Universidade Estadual de Londrina) teve que organizar uma sessão extra, para satisfazer
aqueles que não conseguiram retirar seus ingressos – sem custos - esgotados em
04 horas.
O
concerto, no qual se apresentaram a OSUEL e a banda Beatles for Sale, foi
realizado no Cine Com-Tour, devido à interdição da tradicional sede da
Orquestra, o Teatro Ouro Verde, em razão do incêndio que destruiu parte
considerável do antigo prédio desenhado por Vilanova Artigas.
O
cinema, que possui capacidade para 470 pessoas sentadas, recebeu um público
muito maior, no último domingo (03/06/2012), em duas sessões: a primeira, às
08:30 horas (sessão extra) e a segunda, às 10:00 horas.
Apesar
do tema da apresentação ser um tanto apelativo – uma homenagem aos Beatles –
concertos lotados (e gratuitos) não são de todo incomuns à história da OSUEL.
Muito pelo contrário: se você pretende ir a uma apresentação da Orquestra,
prepare-se para chegar com antecedência, sob pena de perder a viagem.
Pode-se
pensar então que a OSUEL, orquestra prestigiada, com diversos concertos
agendados, casa de músicos renomados e de um maestro conceituado, passa por um
momento excelente de sua história. Ledo engano: a realidade atual é de crise.
Nunca
houve um desfalque de músicos tão grande na Orquestra. Isto se dá
principalmente por uma política do governo do Estado, que não abre concurso
público para contratação de músicos há mais de 08 anos. E com a previsão de
aposentadoria de outros tantos, a sinfônica corre o risco de se tornar uma
orquestra de câmara.
Acrescente-se
a recente destruição do Teatro Ouro Verde, deixando a OSUEL sem uma sala para
ensaios e destituída de seu principal palco de apresentações, bem como a falta
de parceiros privados (os quais, pelo menos em Londrina, parecem nunca ter
ouvido falar na expressão “função social da empresa”). O financiamento da Orquestra
advém exclusivamente do Estado, por intermédio da Casa de Cultura da UEL.
É
possível afirmar categoricamente que a vida cultural da cidade de Londrina gira
em torno da Universidade Estadual de Londrina, senão vejamos: o Teatro Ouro
Verde, que pertence à UEL, é a maior sala de espetáculos da região; o Cine
Com-Tour é o único cinema onde são exibidos filmes fora do eixo comercial – estes
últimos [filmes comerciais] prestam, de fato, um desserviço à cultura; a rádio UELFM - 107,9,
também é a única digna de ser ouvida num raio de 400 km (acredito que o sinal
desta não tenha tanto alcance); o FILO (Festival Internacional [de Teatro] de
Londrina) e o FML (Festival de Música de Londrina) não são organizados pela
Universidade, mas ali nasceram e dela dependem para a sua sobrevivência; os
mais expressivos e conceituados congressos profissionais são organizados no
âmbito da Universidade; a Biblioteca Central (BC) da UEL é a maior da região,
e, juntamente com as bibliotecas setoriais (BS-CH, BS-CCS, BS-COU e BS-EAAJ)
formam o melhor acervo de livros do interior do Paraná – no que tange aos
títulos jurídicos, possivelmente a UEL possui um dos mais completos acervos do
país; etc...
Gostaria
de deixar aqui um questionamento, do qual tratarei em um próximo texto: o que
as outras instituições de ensino de Londrina (e não são poucas) têm feito pela
cidade, além de formarem profissionais, muitos dos quais de qualificação
duvidosa?
Retomo
o assunto com outra pergunta: é concebível que uma orquestra com apresentações
constantemente lotadas esteja numa situação de crise? De fato, o Estado e a
sociedade civil não colaboram muito...mas porque a OSUEL não cobra pela entrada
nos concertos?
A
OSUSP (Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo), por exemplo, cobra
até R$60,00 pelo ingresso individual, além de oferecer uma assinatura, que
compreende diversos pacotes de concertos, cujos preços variam de R$42,00 – 04
concertos, balcão superior – a R$420,00 – 09 concertos, balcão mezanino (Fonte:
http://www.usp.br/osusp/assinaturas2012.html).
“A
cobraça de ingressos limitaria a entrada de pessoas que não podem pagar para
assistir a um concerto”, alguém diria. Será verdade? Qual o público da OSUEL?
Seria o Zé do Caroço, que mora a 15 km do Ouro Verde e toma duas conduções para
chegar até o centro da cidade?
Infelizmente,
o Zé do Caroço não vai a concertos. O público da Orquestra é composto pela
classe média-média e média-alta, e que vai ao Teatro porque gosta de música, e
não por ser de graça. Não vejo estas pessoas esperneando por terem de pagar
R$10,00 para assistir ao concerto.
Contudo,
criou-se no Brasil um costume de se considerar o que é público como se particular
de cada um fosse, e que pagar para utilizar algo público seria então uma
espécie de bis in idem. O brasileiro
paga imposto, e paga muito. Assim, se justifica a animosidade em relação à
possibilidade de o indivíduo comprometer ainda mais seu patrimônio em favor de um
Estado comprovadamente irresponsável com os destinos de sua vultosa arrecadação.
Acredito
que as instituições públicas devam ser sustentáveis, não apenas ecologicamente,
mas no sentido financeiro. Suas contas devem fechar. A UEL quebraria em menos
de um mês se tivesse de se virar com seus próprios recursos.
A
criação de um espírito empreendedor nas instituições públicas é medida que se impõe,
sem embargos à acessibilidade e à sua função social, permitindo assim um
reinvestimento em si mesmas. E isto se aplica à OSUEL, capaz de gerar renda
própria e de erguer-se com seus próprios pés do lamaçal da burocracia.
(Zé do Caroço, música de Leci Brandão e interpretada por Mariana Aydar).