terça-feira, 5 de junho de 2012


A OSUEL, sustentabilidade e o empreendedorismo público

por Guilherme Faraco.

A demanda por ingressos foi tão grande que a OSUEL (Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina) teve que organizar uma sessão extra, para satisfazer aqueles que não conseguiram retirar seus ingressos – sem custos - esgotados em 04 horas.

O concerto, no qual se apresentaram a OSUEL e a banda Beatles for Sale, foi realizado no Cine Com-Tour, devido à interdição da tradicional sede da Orquestra, o Teatro Ouro Verde, em razão do incêndio que destruiu parte considerável do antigo prédio desenhado por Vilanova Artigas.

O cinema, que possui capacidade para 470 pessoas sentadas, recebeu um público muito maior, no último domingo (03/06/2012), em duas sessões: a primeira, às 08:30 horas (sessão extra) e a segunda, às 10:00 horas.

Apesar do tema da apresentação ser um tanto apelativo – uma homenagem aos Beatles – concertos lotados (e gratuitos) não são de todo incomuns à história da OSUEL. Muito pelo contrário: se você pretende ir a uma apresentação da Orquestra, prepare-se para chegar com antecedência, sob pena de perder a viagem.

Pode-se pensar então que a OSUEL, orquestra prestigiada, com diversos concertos agendados, casa de músicos renomados e de um maestro conceituado, passa por um momento excelente de sua história. Ledo engano: a realidade atual é de crise.

Nunca houve um desfalque de músicos tão grande na Orquestra. Isto se dá principalmente por uma política do governo do Estado, que não abre concurso público para contratação de músicos há mais de 08 anos. E com a previsão de aposentadoria de outros tantos, a sinfônica corre o risco de se tornar uma orquestra de câmara.

Acrescente-se a recente destruição do Teatro Ouro Verde, deixando a OSUEL sem uma sala para ensaios e destituída de seu principal palco de apresentações, bem como a falta de parceiros privados (os quais, pelo menos em Londrina, parecem nunca ter ouvido falar na expressão “função social da empresa”). O financiamento da Orquestra advém exclusivamente do Estado, por intermédio da Casa de Cultura da UEL.

É possível afirmar categoricamente que a vida cultural da cidade de Londrina gira em torno da Universidade Estadual de Londrina, senão vejamos: o Teatro Ouro Verde, que pertence à UEL, é a maior sala de espetáculos da região; o Cine Com-Tour é o único cinema onde são exibidos filmes fora do eixo comercial – estes últimos [filmes comerciais] prestam, de fato, um desserviço à cultura; a rádio UELFM - 107,9, também é a única digna de ser ouvida num raio de 400 km (acredito que o sinal desta não tenha tanto alcance); o FILO (Festival Internacional [de Teatro] de Londrina) e o FML (Festival de Música de Londrina) não são organizados pela Universidade, mas ali nasceram e dela dependem para a sua sobrevivência; os mais expressivos e conceituados congressos profissionais são organizados no âmbito da Universidade; a Biblioteca Central (BC) da UEL é a maior da região, e, juntamente com as bibliotecas setoriais (BS-CH, BS-CCS, BS-COU e BS-EAAJ) formam o melhor acervo de livros do interior do Paraná – no que tange aos títulos jurídicos, possivelmente a UEL possui um dos mais completos acervos do país; etc...

Gostaria de deixar aqui um questionamento, do qual tratarei em um próximo texto: o que as outras instituições de ensino de Londrina (e não são poucas) têm feito pela cidade, além de formarem profissionais, muitos dos quais de qualificação duvidosa?

Retomo o assunto com outra pergunta: é concebível que uma orquestra com apresentações constantemente lotadas esteja numa situação de crise? De fato, o Estado e a sociedade civil não colaboram muito...mas porque a OSUEL não cobra pela entrada nos concertos?

A OSUSP (Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo), por exemplo, cobra até R$60,00 pelo ingresso individual, além de oferecer uma assinatura, que compreende diversos pacotes de concertos, cujos preços variam de R$42,00 – 04 concertos, balcão superior – a R$420,00 – 09 concertos, balcão mezanino (Fonte: http://www.usp.br/osusp/assinaturas2012.html).

“A cobraça de ingressos limitaria a entrada de pessoas que não podem pagar para assistir a um concerto”, alguém diria. Será verdade? Qual o público da OSUEL? Seria o Zé do Caroço, que mora a 15 km do Ouro Verde e toma duas conduções para chegar até o centro da cidade?

Infelizmente, o Zé do Caroço não vai a concertos. O público da Orquestra é composto pela classe média-média e média-alta, e que vai ao Teatro porque gosta de música, e não por ser de graça. Não vejo estas pessoas esperneando por terem de pagar R$10,00 para assistir ao concerto.

Contudo, criou-se no Brasil um costume de se considerar o que é público como se particular de cada um fosse, e que pagar para utilizar algo público seria então uma espécie de bis in idem. O brasileiro paga imposto, e paga muito. Assim, se justifica a animosidade em relação à possibilidade de o indivíduo comprometer ainda mais seu patrimônio em favor de um Estado comprovadamente irresponsável com os destinos de sua vultosa arrecadação.

Acredito que as instituições públicas devam ser sustentáveis, não apenas ecologicamente, mas no sentido financeiro. Suas contas devem fechar. A UEL quebraria em menos de um mês se tivesse de se virar com seus próprios recursos.

A criação de um espírito empreendedor nas instituições públicas é medida que se impõe, sem embargos à acessibilidade e à sua função social, permitindo assim um reinvestimento em si mesmas. E isto se aplica à OSUEL, capaz de gerar renda própria e de erguer-se com seus próprios pés do lamaçal da burocracia.  


(Zé do Caroço, música de Leci Brandão e interpretada por Mariana Aydar).

3 comentários:

  1. Esse é meu garoto! Quero destacar aqui alguns pontos que você colocou brilhantemente:


    - Você falou em função social das empresas. Pois bem, elas são empresas. E empresa é sinônimo de bem próprio, particular, alheio à sociedade em que está inserida. Pra elas – salvo raras exceções, preciso dizer – como órgãos privados, querem mais é que dane-se o resto. Mais que saberem sobre as funções sociais de uma empresa, elas deviam ter um pouco mais de espírito de sociedade.

    - Filo e Festival de Música: não fosse a UEL, humm... é difícil mesmo arrumar parceiros pra eventos culturais. Não é à toa que o Brasil é Brasil. Aliás, bom foi ano passado que pudemos curtir o Cabaré do Filo depois de tanto tempo! Em 2012 ele não conseguiu sobreviver mais uma vez... e as empresas de Londrina?! Onde estão???

    - Universidades privadas: como o próprio nome já diz, o dinheiro delas é de uso próprio – e de mais ninguém. As mesmas enxergam que sua obrigação como instituições de ensino já está sendo feita, formando novos profissionais. Afinal de contas, as pessoas não pagam as universidades particulares pra elas bancarem eventos culturais... isso seria um absurdo! Onde já se viu? Gastar as mensalidades pagas pelos seus queridos alunos apoiando a cultura...

    - Por fim, como já te falei, concordo que a cobrança pelos ingressos, mesmo que simbólica, deve ser criada. Quem não paga R$ 10 pra ver a OSUEL é porque não quer ver a OSUEL! E é assim mesmo... no Brasil o imposto não só é caro, como é cobrado 2x.
    .

    Você não me surpreendeu, apesar do excelente editorial.

    Parabéns, meu caro!


    Fábio

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  2. ''Isto se dá principalmente por uma política do governo do Estado, que não abre concurso público para contratação de músicos há mais de 08 anos.''
    Os investimentos em cultura e arte sempre parecem ter sido escassos por aqui. Segundo nosso amigo Nietzsche
    "Um político divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos.", nós, pelo que me parece na posição da primeira classe, não reverteríamos para o Estado o que ele espera de nós, com investimentos em cultura e etc, ao contrário disso, de instrumentos passaríamos a empecilhos, a críticos, em um obstáculo a manuntenção do poder vigente.
    Falta empreendedorismo mesmo, dá pra perceber que existem pessoas talentosas, público, e espaços...é triste ver como você constatou que a UEL carrega ''nas costas'' a função de difundir cultura, como seria se assim não o fosse?. Me veio a cabeça aquele verso do Bandeira ''a vida que poderia ter sido e que não foi''...
    Giulio

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  3. Graaande companheiro!

    Curto muito ver meus amigos escrevendo. Espero me unir a vocês muito em breve!

    Mas vamos ao que intereesa:

    Concordo plenamente com o seu posicionamento. E digo mais. Além da falta de uma postura mais empreendedora, sustentável economica e ambientalmente, carecemos de criatividade coletiva e vontade. Entristece saber que a OSUEL, e a UEL como um todo, tem um público cativo, mas ainda pouco explorado. Sou, sim, totalmente a favor da cobrança de ingressos para assistir à orquestras e o que seja, mas prefiro um modelo híbrido: paga quem pode -- assim como fazíamos na Sala São Paulo, lembra?
    Cobrar ingresso, por mais barato que seja, restringe o público - principalmente aquele já desinteressado e com renda mais baixa (não necessariamente os mesmos sinônimos).
    Aqui, quanto a expandir e explorar a demanda, é principalmente onde falta criatividade. A classe média e alta, que já acompanham a atividade cultural de qualidade, como é o caso, poderiam, sim, serem cobrados pela entrada. Ora, se o Com-Tour, alternativo e com cobrança de ingressos (baratos), tem seu público constante, o mesmo poderia acontecer com a OSUEL.

    Mas, o pior, sem dúvida, é a falta de criatividade e interesse das instituições privadas. No caso das universidades e bancos, na minha opinião, é ainda pior. Mais do que apenas apoiar atividades culturais e acadêmicas, ou qualquer outra coisa, elas tem um papel intrínsico à sua atividade que não é meramente cumprido. Bancos, socialmente, tem a função de intermediar pessoas que querem poupar e aqueles que necessitam de dinheiro. Fazem isso, mas cobram juros absurdos e limitam demasiadamente o crédito. Naturalmente ainda poderiam explorar a marca da OSUEL e investir em patrocínios, assim como fazem com times de basquete ou um show da Ivete Sangalo (bate na madeira!). Universidades tem, intrinsicamente, a função de criar e difundir conhecimento. A UEL faz, ainda que pudesse muito mais, mas o pior ocorrem nas privadas (intencionalmente com duplo-sentido). Cobram, e caro, por um conhecimento ruim e limitado. Ainda não descobriram que a melhor forma de conceituar a instituição é investindo em conhecimento e atividades de qualidade, como a OSUEL, cursos ou congressos, pra ficar só nos exemplos mencionados.

    O que mais me atrai, particularmente e nos dias de hoje, são os atores independentes e alternativos ao "mainstream". Esses sim, criativos demais! Um exemplo notório e notável é o bem conhecido pelo nosso amigo Fabão (dá-lhe Tricolor!!!!), o Circuito Fora-do-Eixo.

    Quando todos esses agentes, os atores principais e os independentes, se unirem (se chegarmos lá, um dia!), a sociedade vai aproveitar e PIRAR muito!

    Aquele abraço,
    João

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